Um passeio que ganhou força desde a instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) é o Favela Tour. Brasileiros e estrangeiros colocaram as favelas em seus roteiros turísticos e hoje costumam contratar guias locais para ver as comunidades “por dentro” ou do alto, como é o caso da favela do Alemão, onde foi instalado um teleférico.
Eu sempre tive as minhas restrições em relação a visitar favelas como turismo. Isso sempre me incomodou um pouco, mas há os que dizem ser ótimo para as comunidades, já que os turistas deixam dinheiro por lá e, por muitas vezes, podem passar a apoiar algum projeto social voltado para a comunidade. Além disso, com visitas ilustres, as favelas acabam por atrair a atenção da imprensa e também do Governo para melhorias sempre super necessárias!
O fato é que todos os dias ao acordar, vejo da minha janela a Favela Santa Marta e suas casinhas coloridas. Moradora de Botafogo há 22 anos e apaixonada pelo bairro, resolvi colocar as minhas restrições de lado, conhecer meus vizinhos e conferir uma das vistas mais bonitas da cidade. E para isso, resolvi entrar em contato com o Thiago Firmino, nascido e criado no Santa Marta e que organiza a Favela Santa Marta Tour.
Nosso tour começou na pracinha que antecede a subida do morro com o João nos explicando o que iríamos conhecer e passando as orientações básicas: não fotografar o interior das casas e nem as pessoas, a não ser com autorização. Nosso grupo era pequeno: 2 franceses, 2 chineses, 1 turco e eu.
No caminho de entrada da Santa Marta, um estacionamento de bikes e vários mercadinhos um ao lado do outro.
João explicou que iríamos subir usando o Plano Inclinado, transporte sobre trilhos com um Bondinho, construído pelo Governo do Estado em 2008. Isso facilitou muito a vida da comunidade, principalmente para os idosos. O Bondinho possui, na parte traseira, espaço reservado para o transporte de carga, onde também é trazido o lixo da comunidade.
O Plano Inclinado possui 5 estações e o trajeto da base ao topo do morro possui 340 metros de extensão. É bemmm alto! Não preciso nem dizer que, com meu pânico de altura, acabei ficando lá atrás. Sem fotos nessa hora, estava muito concentrada em não gritar!
O bondinho que pegamos no ponto inicial do Plano Inclinado, percorre até a estação 3 e é conduzido por uma operadora. A capacidade informada é de 20 pessoas, mas a minha impressão é que com este número lá dentro você vai se sentir uma verdadeira sardinha em lata.
Descemos na estação 3 para pegar o próximo bondinho que leva as Estações 4 e 5. Veja que vista linda!
Depois de descermos na Estação 5, topo do morro Dona Marta, caminhamos até a UPP – Unidade de Polícia Pacificadora que se instalou no morro em dezembro de 2008. A Favela Santa Marta foi a primeira experiência de aproximação entre polícia e comunidade e, de acordo com o site da UPP, conta com um efetivo de 123 policiais.
Passando a sede da UPP é possível chegar ao Mirante do Pedrão, onde você poderá fazer fotos lindíssimas da Enseada de Botafogo. Não sei porquê, mas não visitamos o Mirante. Uma pena, fica para a próxima visita!
Iniciando a descida da favela, ainda no topo do morro, é possível ver algumas manifestações da comunidade.
Começamos a descer a Favela para a próxima paradinha: Capela Santa Marta. Aqui é esclarecida a confusão entre Favela Santa Marta ou Dona Marta. A favela se chama Santa Marta porque uma moradora trouxe uma imagem da santa para o morro e, na década de 40, foi construída esta Capela para abrigar a imagem da santa. Já o Morro chama-se Dona Marta e seu nome foi dado em 1680 quando o Padre Clemente adquiriu as terras e deu este nome em homenagem a sua mãe Marta. (Fonte: Wikipedia)
Seguimos descendo as vielinhas e muitas escadas. Por vezes, você fica de cara na porta das casas e em algumas escadas é necessário apoiar-se nas paredes para ficar mais seguro. Fiquei pensando… como estas pessoas faziam antes do Plano Inclinado? Desumano subir isso tudo com compras ou crianças no colo. Imagina! Mas descer também não é mole, não. É um caminho e tanto e as escadas, muitas vezes bem íngrimes.
Na descida pelas ruelas da comunidade é comum encontrar um verdadeiro caos de fios elétricos, misturados com roupas estendidas, material de construção, propaganda política e resquícios da decoração da Copa. A simpatia também está presente nas faces dos moradores que se mostram super acostumados com as visitas de turistas.
Chegamos então no espaço mais famoso da Santa Marta: a Laje Michael Jackson. Pra quem não sabe, a Favela Santa Marta ganhou projeção internacional em 1996, quando Michael Jackson resolveu gravar parte do vídeoclip da música They don’t care about us, dirigido por Spike Lee. Nesta época, me lembro bem, uma grande polêmica surgiu em função de Spike Lee ter pedido permissão para filmar – e dizem ter pago também – aos “donos do morro”. Em 1996, o Morro Dona Marta ainda estava sob o comando do tráfico, mais precisamente o famoso Marcinho VP. A Secretaria de Segurança do Rio surtou com a notícia estampada nos jornais e ameaçou cancelar a gravação. Mas isso não aconteceu para a felicidade geral da comunidade que teve seu dia de glória e o privilégio de assistir a esta gravação.
O muro laranja que aparece na imagem acima foi pintado recentemente pelos jogadores da seleção de futebol da Holanda que estiveram no morro durante a Copa do Mundo.
Em 2010, foi instalada uma estátua em bronze em homenagem ao cantor, esculpida por Ique – jornalista, cartunista, escultor e roteirista carioca. A laje também ganhou um mosaico idealizado por Romero Britto, artista plástico conhecido mundialmente.
Saindo da Laje, depois de muitos cliques, passamos pela Lojinha que vende lembranças da Santa Marta, muitas produzidas pela comunidade. Depois passamos na casa do Thiago, que fica bem em frente, para tomar uma caipirinha preparada por ele. Thiago nos mostrou em seu Ipad as fotos de todas as celebridades que já passaram pela Santa Marta. E olha que foram muitas! De brinde ganhamos um copo da tour e recomeçamos a descida.
Depois de algumas escadas e muitas vielas, chegamos ao Centro Esportivo Santa Marta. Este espaço, totalmente reformado pela comunidade, era o ponto de encontro do tráfico nos velhos tempos. Hoje, oferece aulas gratuitas, um mix de artes marciais como: kick boxe, boxe, muai thay e jiu-jitsu. O Centro aceita doações de materiais esportivos, uniformes para as crinaças e tal. Se estiver interessado em doar alguma coisa, manda um email pra gente.
Mais um pouquinho e chegamos na Praça do Cantão, onde as casinhas são todas coloridas devido ao projeto Favela Painting, idealizado por dois holandeses, Haas & Hahn. A ideia era tranformar favelas do Rio em uma espécie de monumento e, desta forma, melhorar um pouco as condições de vida da comunidade. Morar em uma casinha colorida como essa aumenta um pouquinho a alegria e o orgulho, não é mesmo? Mas ainda falta muita coisa por lá.
A Santa Marta pode ter UPP e viver na paz, pode ter o Plano Inclinado e subir o morro mais facilmente, pode ter visitas ilustres e muitos turistas perambulando pelas vielas, pode ter antenas de TV a cabo e ver sua comunidade nas novelas da Globo, mas ainda assim falta muito para ter uma vida totalmente digna, como são merecedores. Recomendo muito a visita para que você tenha ideia da dura e difícil realidade de quem vive ao seu redor. No meu caso, meus vizinhos.
Para quem quiser fazer o tour com o Thiago Firmino, acesse o site Favela Santa Marta Tour ou mande um email. A tour é oferecida em inglês ou portuguès e dura mais ou menos 2 horas. No site, o Thiago ainda oferece outros serviços bem legais. Confira!
Se você está interessado em conhecer outras favelas do Rio de Janeiro, descobri um site chamado Guia das Favelas, onde você poderá pesquisar por outras comunidades, além de ler várias dicas.
Confira o álbum completo de fotos da Favela Santa Marta e siga a gente no Flickr.
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2 comentários em “Favela Santa Marta: simpatia, dura realidade e uma vista deslumbrante da Zona Sul do Rio”
Ola, sou carioca de Bangu e também viajante solo por opção. Conheço várias favelas da cidade, vou a eventos e festas. É muito importante uma outra visão das nossas favelas, aliás os estrangeiros muitas vezes são mais curiosos e interessados do que nós. Gostei do Post e quero adquirir o Guia Viajante Solo, meu objetivo a curto prazo, é conhecer todos os países da America do Sul. Já foram 4 ate agora.
Oi Zimara, tudo bem ? Essa visita fiz quando morava no Rio. Fiquei ai 30 anos e amo a cidade. Tem tantas coisas pra conhecver, ne? Parabens pelas viagens e cointinue no seu plano d conhecer todos os paises da america do sul! obrigada pela visita! beijao